01/01/2005 «O Advento e o Natal experimentaram um incremento de seu aspecto externo e
festivo profano tal que no seio da Igreja surge, da própria fé, uma aspiração a
um Advento autêntico: a insuficiência desse ânimo festivo por si só se deixa
sentir, e o objetivo de nossas aspirações é o núcleo do acontecimento, esse
alimento do espírito forte e consistente do qual nos fica um reflexo nas
palavras piedosas com as quais nos felicitamos nas festas. Qual é esse núcleo da
vivência do Advento?
Podemos tomar como ponto de partida a palavra «Advento»; este termo não
significa «espera», como poderia se supor, mas é a tradução da palavra grega
parusia, que significa «presença», ou melhor, «chegada», quer dizer, presença
começada. Na antigüidade era usado para designar a presença de um rei ou senhor,
ou também do deus ao qual se presta culto e que presenteia seus fiéis no tempo
de sua parusia. Ou seja, o Advento significa a presença começada do próprio
Deus. Por isso, nos recorda duas coisas: primeiro, que a presença de Deus no
mundo já começou, e que ele já está presente de uma maneira oculta; em segundo
lugar, que essa presença de Deus acaba de começar, ainda que não seja total, mas
está em processo de crescimento e amadurecimento. Sua presença já começou, e
somos nós, os crentes, que, por sua vontade, devemos fazê-lo presente no mundo.
É por meio de nossa fé, esperança e amor que ele quer fazer brilhar a luz
continuamente na noite do mundo. De modo que as luzes que acendamos nas noites
escuras deste inverno sejam ao mesmo tempo consolo e advertência: certeza
consoladora de que «a luz do mundo» já foi acesa na noite escura de Belém e
transformou a noite do pecado humano na noite santa do perdão divino; por outra
parte, a consciência de que esta luz somente pode - e somente quer - seguir
brilhando se é sustentada por aqueles que, por ser cristãos, continuam através
dos tempos a obra de Cristo. A luz de Cristo quer iluminar a noite do mundo
através da luz que somos nós; sua presença já iniciada deve seguir crescendo por
meio de nós. Quando na noite santa soe uma e outra vez o hino Hodie Christus
natus est, devemos recordar que o início que foi produzido em Belém deve ser em
nós início permanente, que aquela noite santa é novamente um «hoje» cada vez que
um homem permite que a luz do bem faça desaparecer nele as trevas do egoísmo
(...) a criança - Deus nasce ali onde se obra por inspiração do amor do Senhor,
onde se faz algo mais que intercambiar presentes.
Advento significa presença de Deus já começada, mas também apenas começada. Isto
implica que o cristão não olha somente o que já foi e o que aconteceu, como
também ao que está por vir. Em meio a todas as desgraças do mundo, tem a certeza
de que a semente de luz segue crescendo oculta, até que um dia o bem triunfará
definitivamente e tudo lhe estará submetido: no dia em que Cristo retorne. Sabe
que a presença de Deus, que acaba de começar, será um dia presença total. E esta
certeza o faz livre, o dá um apoio definitivo (...)».
Alegrai-vos no Senhor
(...) «"Alegrai-vos, uma vez mais vos digo: alegrai-vos". A alegria é
fundamental no cristianismo, que é por essência evangelium, boa nova. E,
entretanto, é ali onde o mundo se equivoca, e sai da Igreja em nome da alegria,
achando que a Igreja a tira do homem com todos os seus preceitos e proibições.
Certamente, a alegria de Cristo não é tão fácil de ver como o prazer banal que
nasce de qualquer diversão. Mas seria falso traduzir as palavras: «Alegrai-vos
no Senhor» por estas outras: «Alegrai-vos, mas no Senhor», como se na segunda
frase se quisesse recordar o afirmado na primeira. Significa simplesmente
«alegrai-vos no Senhor», já que o apóstolo evidentemente crê que toda verdadeira
alegria está no Senhor, e que fora dele não pode haver nenhuma. E de fato é
verdade que toda alegria que se dá fora dele ou contra ele não satisfaz, mas
que, ao contrário, arrasta o homem a um redemoinho no qual não pode estar
verdadeiramente contente. Mas isso aqui nos faz saber que a verdadeira alegria
não chega até que não a traz Cristo, e que do que se trata em nossa vida é de
aprender a ver e compreender a Cristo, o Deus da graça, a luz e a alegria do
mundo. Pois nossa alegria não será autêntica até que deixe de apoiar-se em
coisas que podem ser-nos arrebatadas e destruídas, e se fundamente na mais
íntima profundidade de nossa existência, impossível de ser-nos arrebatada por
força alguma do mundo. E toda perda externa deveria fazer-nos avançar um passo
rumo a essa intimidade e fazer-nos mais maduros para nossa vida autêntica.
Assim se passa a ver que os dois quadros laterais do tríptico de Advento, João e
Maria, apontam ao centro, a Cristo, desde o qual são compreensíveis. Celebrar o
Advento significa, dizendo mais uma vez, despertar para a vida a presença de
Deus oculta em nós. João e Maria nos ensinam a fazê-lo. Para isso, devemos andar
por um caminho de conversão, de afastamento do visível e aproximação ao
invisível. Andando esse caminho somos capazes de ver a maravilha da graça e
aprendemos que não há alegria mais luminosa para o homem e para o mundo que a da
graça, que apareceu em Cristo. O mundo não é um conjunto de penas e dores, toda
a angústia que exista no mundo está amparada por uma misericórdia amorosa, está
dominada e superada pela benevolência, o perdão e a salvação de Deus. Quem
celebre assim o Advento poderá falar com razão da celebração natalina: feliz
bem-aventurada e cheia de graça. E conhecerá como a verdade contida na
felicitação natalina é algo muito maior do que esse sentimento romântico dos que
a celebram como uma espécie de diversão de carnaval».
Estar preparados...
«No capítulo 13 que Paulo escreveu aos cristãos em Roma, diz o Apóstolo o
seguinte: "A noite vai muito avançada e já se aproxima o dia. Despojemo-nos,
pois, das obras das trevas e vistamos as armas da luz. Andemos decentemente e
como de dia, não vivendo em orgias e bebedeiras, nem em devassidão e
libertinagem, nem em rixas e ciúmes, antes vesti-vos do Senhor Jesus Cristo..."
Segundo isso, Advento significa colocar-se de pé, despertar, sacudir-se do sono.
Que quer dizer Paulo? Com termos como "orgias, bebedeiras, devassidão e
libertinagem" expressou claramente o que entende por «noite». As orgias
noturnas, com todos seus acompanhamentos, são para ele a expressão do que
significa a noite e o sono do homem. Esses banquetes se convertem para São Paulo
em imagem do mundo pagão em geral que, vivendo de costas para a verdadeira
vocação humana, se afunda no material, permanece na escuridão sem verdade, dorme
apesar do ruído e da agitação. A orgia noturna aparece como imagem de um mundo
estragado. Não devemos reconhecer com espanto quão freqüentemente descreve Paulo
desse modo nosso paganizado presente? Despertar-se do sono significa sublevar-se
contra o conformismo do mundo e de nossa época, sacudir-nos, com valor, para a
virtude e a fé, sono que nos convida a nos desentendermos de nossa vocação e
nossas melhores possibilidades. Talvez as canções do Advento, que escutamos de
novo esta semana, tornem-se sinais luminosos para nós, mostrem-nos o caminho e
nos permitam reconhecer que há uma promessa maior que a do dinheiro, do poder e
do prazer. Estar despertos para Deus e para os demais homens: eis aqui o tipo de
vigilância a que se refere o Advento, a vigilância que descobre a luz e
proporciona mais claridade ao mundo».
João Batista e Maria
«João Batista e Maria são os dois grandes protótipos da existência própria do
Advento. Por isso, dominam a liturgia desse período. Olhemos primeiro a João
Batista! Está frente a nós exigindo e atuando, exercendo, pois, exemplarmente a
tarefa masculina. Ele é o que chama, com todo rigor, à metanóia, a transformar
nosso modo de pensar. Quem queira ser cristão deve "mudar" continuamente seus
pensamentos. Nosso ponto de vista natural é, desde então, querer afirmar-nos
sempre a nós mesmos, pagar com a mesma moeda, colocar-nos sempre no centro. Quem
quiser encontrar a Deus deve se converter interiormente uma e outra vez,
caminhar na direção oposta. Tudo isso deve se estender também a nosso modo de
compreender a vida em seu conjunto. Dia após dia nos topamos com o mundo do
visível. Tão violentamente penetra em nós através de cartazes, do rádio, do
tráfico e demais fenômenos da vida diária, que somos induzidos a pensar que só
existe ele. Entretanto, o invisível é, na verdade, mais excelso e possui mais
valor que todo o visível. Uma só alma é, segundo a soberba expressão de Pascal,
mais valiosa que o universo visível. Mas, para percebê-lo de forma viva, é
preciso converter-se, transformar-se interiormente, vencer a ilusão do visível e
fazer-se sensível, afinar o ouvido e o espírito para perceber o invisível.
Aceitar esta realidade é mais importante que tudo o que, dia após dia, se
projeta violentamente sobre nós. Metanoeite: dai uma nova direção a vossa mente,
disponde-na para perceber a presença de Deus no mundo, mudai vosso modo de
pensar, considerai que Deus se fará presente no mundo em vós e por vós. Nem
sequer João Batista se eximiu do difícil acontecimento de transformar seu
pensamento, do dever de converter-se. Quão certo é que este seja também o
destino do sacerdote e de cada cristão que anuncia a Cristo, ao qual conhecemos
e não conhecemos!»
Palavras do Cardeal Joseph Ratzinger sobre o Advento
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