01/01/2005 "Vos anunciamos a Boa Nova de que a Promessa Feita aos pais, Deus a cumpriu em
nós, os filhos, ao ressuscitar Jesus" (At 13,32-33). A ressurreição de Jesus é a
verdade culminante de nossa fé em Cristo, crida e vivida pela primeira
comunidade cristã como verdade central, transmitida como fundamental pela
Tradição, estabelecida nos documentos do novo Testamento, predicada como parte
essencial do Mistério Pascal ao mesmo tempo que a Cruz: Cristo ressuscitou
dentre os mortos.
Com sua morte venceu a morte. "Aos mortos deu a vida".
O mistério da ressurreição de Cristo é um acontecimento real que teve
manifestações historicamente comprovadas como o testifica o Novo Testamento. Já
São Paulo, no ano 56, pôde escrever aos Coríntios: "Porque vos transmiti, em
primeiro lugar, o que por minha vez recebi: que Cristo morreu por nossos
pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado e que ressucitou ao terceiro
dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas e depois aos Doze" (1Cor 15,
3-4). O apóstolo fala aqui da tradição viva da Ressurreição que recebeu depois
de sua conversão às portas de Damasco (ver At 9,3-18).
"Por que buscar entre os mortos àquele que está entre os vivos? Não está aqui,
ressuscitou (Lc 24,5-6). No marco dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro
elemento que é encontrado é o sepulcro vazio. Não é em si uma prova direta, A
ausência do corpo de Cristo no sepulcro poderia ser explicada de outro modo (ver
Jo 10,13; Mt 28,11-15). Apesar disso, o sepulcro vazio constituiu para todos um
sinal essencial. Seu descobrimento pelos discípulos foi o primeiro passo para o
reconhecimento do fato da Ressurreição. No caso, em primeiro lugar, das santas
mulheres (ver Lc 24,3.22-23), depois de Pedro (ver Lc 24,12). "O discípulo que
Jesus amava" (Jo 20,2) afirma que, ao entrar no sepulcro vazio e ao descobrir
"as vendas no chão" (Jo 20,6) "viu e acreditou" (Jo 20,8). Isso supõe que
constatou no estado do sepulcro vazio (ver Jo, 20,5-7) que a ausência do corpo
de Jesus não poderia ter sido obra humana e que Jesus não teria voltado
simplesmente a uma vida terrena como havia sido o caso de Lázaro (ver Jo 11,44).
Maria Madalena e as santas mulheres, que iam embalsamar o corpo de Jesus
enterrado às pressas na tarde da Sexta-feira pela chegada do Sábado (ver Jo
19,31.42), foram as primeiras a encontrar o Ressuscitado. Assim as mulheres
foram as primeiras mensageiras da Ressurreição de Cristo para os própios
apóstolos (ver Lc 24,9-10). Jesus apareceu em seguida a eles, primeiro a Pedro,
depois aos Doze. Pedro, chamado a confirmar na fé seus irmãos, vê portanto o
Ressuscitado antes dos demais e sobre seu testemunho se apoia a comunidade
quando exclama: "É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!" (Lc,
24,34).
Tudo o que aconteceu nestas jornadas pascais compromete a cada um dos apóstolos
-e a Pedro em particular- na construção da nova era que começou na manhã de
Páscoa. Como testemunhas do Ressuscitado, os apóstolos são as pedras de fundação
de sua Igreja. A fé da primeira comunidade de fiéis se funda no testemunho de
homens concretos, conhecidos dos cristãos e, para a maioria, vivendo entre eles
ainda. Estes "testemunhas da Ressurreição de Cristo" (ver At 1,22) são
principalmente Pedro e os Doze, mas não somente eles: Paulo fala claramente de
mais de quinhentas pessoas às quais Jesus apareceu de uma só vez, além de
Santiago e de todos os apóstolos (ver 1Cor 15,4-8).
Diante destes testemunhos é impossível interpretar a Ressurreição de Cristo fora
da ordem física, e não reconhecê-la como um fato histórico. Sabemos pelos fatos
que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e da morte na
cruz de seu mestre, anunciada por Ele de antemão (ver Lc 22,31-32). A sacudida
provocada pela paixão foi tão grande que (pelo menos, alguns deles) não
acreditaram em seguida na notícia da ressurreição. Os evangelhos, longe de nos
mostrar uma comunidade acometida por uma exaltação mística, nos apresentam os
discípulos abatidos e assustados. Por isso não acreditaram nas santas mulheres
que voltavam do sepulcro e "suas palavras pareciam desatinos" (Lc 24,11). Quando
Jesus se manifesta aos onze na tarde de Páscoa, "jogou-lhes na cara sua
incredulidade e sua dureza de cabeça por não ter acreditado nos que o tinham
visto ressuscitado" (Mc 16,14).
Tão impossível lhes parece que, até mesmo colocados diante da realidade de Jesus
ressuscitado, os discípulos ainda duvidam: crêem ver um espírito. "Não acabam de
acreditar por causa da alegria e estavam assustados" (Lc 24,41). Tomé conhecerá
a mesma prova da dúvida e, na última aparição na Galiléia referida por Mateus,
"alguns entretanto duvidaram" (Mt 28, 17). Por isto a hipótese segundo a qual a
ressurreição teria sido um 'produto' da fé (ou da credulidade) dos apóstolos não
tem consistência. Pelo contrário, sua fé na Ressurreição nasceu sob a ação da
graça divina- da experiência direta da realidade de Jesus ressuscitado."
"Que noite tão ditosa -canta o «Exultet» de Páscoa-, só ela conheceu o momento
em que Cristo ressuscitou dentre os mortos!". Com efeito, ninguém foi testemunha
ocular do acontecimento da Ressurreição e nenhum evangelista o descreve. Ninguém
pode dizer como aconteceu fisicamente. Menos ainda, sua essência mais íntima, a
passagem à outra vida, foi perceptível aos sentidos. Acontecimento histórico
demonstrável pelo sinal do sepulcro vazio e pela realidade dos encontros dos
apóstolos com Cristo ressuscitado, entretanto não por isso a Ressurreição seja
alheia ao centro do Mistério da fé naquilo que transcende e ultrapassa
ahistória. Por isso, Cristo ressuscitado não se manifesta ao mundo senão a seus
discípulos, "aos que haviam subido com ele da Galiléia à Jerusalém e que agora
são suas testemunhas perante o povo" (Hch 13,31).
"Se Cristo não ressuscitou, vã é nossa pregação, vã também vossa fé" (1Cor
15,14). A Ressurreição constitui principalmente a confirmação de tudo o que
Cristo fez e ensinou. Todas as verdades, inclusive as mais inacessíveis ao
espírito humano, encontram sua justificativa se Cristo, ao ressuscitar, deu a
prova definitiva de sua autoridade divina segundo o havia prometido.
A Ressurreição de Cristo é cumprimento das promessas do Antigo Testamento e do
próprio Jesus durante sua vida terrena. A expressão "segundo as Escrituras" (ver
1 Cor 15,3-4 e o Símbolo Niceno-Constantinopolitano) indica que a Ressurreição
de Cristo cumpriu estas pregações.
Há um duplo aspecto no mistério pascal: por sua morte nos liberta do pecado, por
sua Ressurreição nos abre o acesso a uma nova vida. Esta é, em primeiro lugar, a
justificativa que nos devolve à graça de Deus "afim de que, assim como Cristo
ressuscitou dentre os mortos... assim também nós vivamos uma nova vida" (Rm
6,4). Consiste na vitória sobre a morte e o pecado e na nova participação na
graça. Realiza a adoção filial porque os homens se convertem em irmãos de
Cristo, como Jesus mesmo chama a seus discípulos depois de sua Ressurreição:
"Ide, avisai a meus irmãos" (Mt 28,10; Jo 20,17). Irmãos não por natureza, mas
por dom da graça, porque esta filiação adotiva confere uma participação real na
vida do Filho único, a que revelou plenamente em sua Ressurreição.
Por último, a Ressurreição de Cristo –e o próprio Cristo ressuscitado- é
princípio e fonte de nossa ressurreição futura: "Cristo ressuscitó dentre os
mortos como primícia dos que dormiram... do mesmo modo que em Adão morrem todos,
assim também todos reviverão em Cristo" (1Cor 15, 20-22). Na espera de que isto
se realize, Cristo ressuscitado vive no coração de seus fiéis. Nele os cristãos
"saboreiam os prodígios do mundo futuro" (Hb 6,5) e sua vida é transportada por
Cristo ao seio da vida divina "para que já não vivam para si os que vivem, mas
para aquele que morreu e ressuscitou por eles" (2Cor 5,15).
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